04 Julho 2022
"A passagem do 'ritus servandus' para o 'ritus celebrandus' impõe duas viradas necessárias. Que exista apenas um rito comum a todos, e que este rito seja fonte de formação comum para todos os sujeitos eclesiais, desde o papa até o batizado. Todos igualmente ligados à ação comum, que todos celebram, um só preside e que prevê uma articulação diferenciada de ministérios", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado em Come Se Non, 01-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Fiquei muito impressionado, desde o primeiro dia, com a facilidade com que o texto de Desiderio Desideravi era sugado pela força do preconceito. É só falar de liturgia, e todos pensamos que já antes sabemos o que é importante na liturgia, e eis que um jornal como o Avvenire, que certamente não pode ser considerado "distante" do tema, cai na armadilha e coloca, como título realmente paradoxal: "O papa: 'que a liturgia não seja apenas rito, mas evangelização'." O fato realmente clamoroso é que, com um título semelhante, quase todo o valor do texto fica irremediavelmente comprometido. Porque se há um mérito da DD é precisamente o de ter tentado, com um entusiasmo comparável apenas aos textos conciliares, relançar de forma nova e convincente a "unidade" de rito e de evangelização, ou seja, o valor primordial da forma litúrgica em relação ao "conteúdo da fé".
Mas se um título é indicativo de uma "compreensão média", é evidente que o próprio coração do texto, que insiste na "formação litúrgica", encontra nesse exemplo um ponto sensível. Como reduzimos o "rito" a uma "coisa exterior", podemos pensar que a verdadeira essência da liturgia não seja ritual. E é justamente esse o erro que o texto procura evitar e corrigir.
Para entender onde está o problema, um duplo reconhecimento pode ser útil. Em primeiro lugar, a frase "entre aspas" do Avvenire não existe no texto. E sabemos que usar aspas conjecturais é muito perigoso. Em vez disso, o texto usa outros termos. Ele diz que a liturgia não é apenas "rubricas", mas evento de salvação. Confundir o rito com as rubricas é uma tendência que vem de longe e que caracteriza nossa história latina. Um ponto particularmente evidente está no início do Missal Tridentino, onde se encontra o “ritus servandus”, que é precisamente a redução do rito à observância de numerosas rubricas pelo padre. Este é o horizonte do título do Avvenire: um rito reduzido a "ritus servandus", que, portanto, nunca pode ser suficiente, aliás, ameaça o sentido da liturgia. A redução da liturgia a "ritus servandus" é precisamente a tentação de todos os tradicionalismos litúrgicos. Assim, sem se dar conta disso, o Avvenire atribuiu ao papa intenções pré-conciliares.
O que Francisco diz em vez disso? Ele diz que é necessário descobrir como o rito não seja primordialmente uma "rubrica a ser observada", mas uma "ação comum, de Cristo e da Igreja, a ser celebrada". Esta é a diferença fundamental que o texto argumenta extensa e ricamente. Aqui o termo rito não indica mais uma "cerimônia externa" que cabe ao sacerdote, mas uma "linguagem comum" a toda a assembleia e ao seu Senhor.
Por isso, a passagem do “ritus servandus” para o “ritus celebrandus” impõe duas viradas necessárias. Que exista apenas um rito comum a todos, e que este rito seja fonte de formação comum para todos os sujeitos eclesiais, desde o papa até o batizado. Todos igualmente ligados à ação comum, que todos celebram, um só preside e que prevê uma articulação diferenciada de ministérios. Nesse horizonte, qualquer contraposição entre rito e evangelização torna-se nostalgia e incompreensão e, portanto, deve ser evitada, especialmente nos títulos.
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O rito em “Desiderio Desideravi”: algumas questões. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU